De origem grega, “Miss violence” é um filme
atravessado por questões culturais e de gênero. Ele se inicia com a cena do
aniversário de uma menina de 11 anos, que resolve se afastar da comemoração
para ir até a janela. Com seus familiares ao fundo dançando, no que parece ser
o retrato de uma família feliz, ela se joga do alto do terceiro andar. Nesse
momento nos perguntamos o que teria levado ao suicídio de alguém tão nova.
A cena impactante é apenas uma amostra do que podemos
esperar do drama, cuja violência figura como personagem central. Porém, se
engana quem pensa (assim como eu pensava) que o filme traz cenas explícitas de
crueldade. Não, em momento algum vemos uma grande briga em que algum personagem
saia vermelho ou vemos alguma situação que envolva xingamentos. O pai deixa a
sua filha ir à casa de sua amiga e assim como seus irmãos, ela vai à escola. O
pai é bem presente e está sempre disponível a qualquer chamada da escola.
Entretanto, esse mesmo pai age como se a sua esposa fosse uma planta sem
sentimentos, que passa boa parte do dia no quarto. E bate na cara da filha mais
velha. E é arbitrário com a sua filha mais nova. E é mão de ferro com o seu
filho – o único do sexo masculino. Novamente, vale frisar, as cenas não são no
nível mais pesado como vemos em muitas produções, mas é o suficiente para
julgarmos as atitudes daquele homem.
Conforme o filme avança os atos ficam mais claros,
mais evidentes, e a violência aumenta. Não fica muito difícil entender que a
estrutura patriarcal que tanto domina a vida das mulheres do mundo todo, também
mostraria a sua face ali, naquela família à primeira vista tão perfeita. Então
um segredo ditador de mistério na trama nos traz uma interrogação: a mulher,
que aparenta ser a esposa está grávida, e quem é o pai ausente daquela
história? Uma luz se acende e entendemos que o pai da mulher retraída e submissa é o único homem ao seu redor. Portanto, o próprio pai a engravidou.
Configura-se assim um episódio de incesto.
Com um mistério revelado, falta-nos perguntar: por que
a pequena Angeliki se matou? Eis mais um ponto a ser dado conforme os minutos
se passam na trama. Tudo leva a entender que a menina soube por sua irmã mais
velha o que houve com ela ao chegar em certa idade. A verdade é dura de lidar,
e foi a dor envolta dessa verdade que de fato tirou a vida de Angeliki. As
outras mulheres da família permanecem vivas, porém, parte da vida dessas
mulheres é tirada diariamente. A esposa, que inicialmente achamos ser a avó das
crianças se rendeu ao silêncio, e indica à filha que faça o mesmo para que não
sofra represálias. Essa filha, Eleni, não pode nem chorar em outro lugar que
não seja o banheiro, escondida. Já as meninas da casa, uma criança e uma
adolescente, nem elas são poupadas do peso de carregar o sexo feminino numa
sociedade dominada por homens.
A criança, por volta dos 8 anos, tem sua primeira relação com um homem mais velho, isto é, em
troca de dinheiro ela é abusada sexualmente. A carga de dramaticidade na cena
se deve ao fato da menininha nem entender por que está sendo conduzida para o
quarto de um cara que tem idade para ser o seu pai. Já a jovem Myrto, é conduzida à prostituição forçada. Ou seja, ela é estuprada por homens que a
tratam como não mais que um pedaço de carne. As cenas são fortes e quando
achamos que acabou, o patriarca vem e a penetra, sem dó nem piedade. Na cena
seguinte ainda vemos um dos estupradores de Myrto dizer: “Da próxima vez traga
uma um pouco mais sorridente”. A frase é absurda e revoltante, mas representa o
pensamento de muitos homens, que acham que mulheres existem estritamente para
satisfazerem seus desejos, queira ou não. E em caso de violência, é miss quem
fica de boca calada.
Para assistir o trailer, clique aqui.
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