Desde já: este é um texto de desabafo. Por tudo o que
deixamos de dizer, e desaba sobre nós. E esse nós se trata de mulheres, estas
que são caladas, espancadas, humilhadas, descartadas. Que são vistas como
objetos, pertences, apetrechos penetráveis. Nada mais. Nós, que servimos pra
fazer a cama e se doar na cama, mas nunca recebemos muito em troca. Às vezes
simplesmente não recebemos nada.
Desabafo pelos cortes que sentimos todos os dias, na
alma e nos corpos das Marias do Brasil. Desabafo pelas vozes silenciadas,
embargadas, que não podem gritar. Desabafo por mim mesma e por todas nós. Nem
sempre é fácil extravasar ao mundo o que sentimos, pois basta discordamos de
algo que um homem diz para sermos tachadas de loucas, escandalosas, de
mi-mi-mi.
Não é fácil engolir sapos a vida inteira e um dia
resolver se impor, se expor. Crescemos em um grande ensaio, em que somos
ensinadas a ser bela, recatada e do lar. E não se engane, não é tarefa fácil.
Ser bela exige esforço, exige sacrifício, afinal, não é qualquer tipo de beleza
que eles querem, é a perfeição, que jamais iremos alcançar. Mas à luz da utopia
caminhamos, diariamente, com nossos cremes e corretivos. Fechamos as pernas ao
usar saia, que nunca deve ser muito curta, afinal, o que vão pensar de nós? Recatadas
são mocinhas comportadas. E do lar? Como faz pra ser do lar? Basta habitar? Mas
claro que não, a mulher do lar que eles querem faz dos aposentos seu manto
sagrado. É devota à cozinha e serva na cama.
E nesse grande ensaio, competimos umas com as outras.
Mas como haveria de ser diferente se temos um acordo secreto em comum?
Conquistar homem, claro! Então nada mais natural do que lutarmos umas contra as
outras. Nada mais comum do que duelarmos pelo título de mais bela, mais
inteligente ou melhor esposa. E enquanto isso eles ensaiam truques para nos
colocarmos para baixo e nos fazer acreditar que somos insuficientes. Mas tudo
bem, não se preocupe, nós nem percebemos mesmo. As armas que nos oprimem são
tão sutis que somente quando a camada mais interna da pele sangra é que
avistamos nossos cortes.
Se por um lado passar a enxergar a opressão é
libertador à medida que nos entendemos como seres não mais passivos, por outro,
é dolorosamente incômodo lidar dia após dia, olho a olho com as mais diversas
balas que nos atingem. Quando aprendemos a desabafar ainda sangramos, às vezes
por nós, às vezes por outras mulheres, muitas que nem conhecemos. A diferença é
que quando entendemos o motivo dos nossos rasgos, internos e externos, criamos
mecanismos de luta, e passamos a caminhar juntas, de mãos dadas. Não mais como
inimigas, e sim como irmãs, que praticam a empatia por um bem comum.
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